segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Relatos De Uma Criança Daltônica



Finalmente, havia acabado de completar o dever que a professora passou. Algo como "desenhe qualquer coisa". Lá estava meu campo de futebol, devidamente colorido. Era só entregar.

Mas havia algo errado na expressão da professora. Ela olhava o papel com uma cara estranha, quando me perguntou:

-Por que você não pintou com as cores certas?

"Como assim?", pensei eu. Estava tudo certo. O gramado vermelho, o sol abóbora... O que ela queria que eu fizesse?

Eu tinha 5 anos e essa é a primeira lembrança que tenho de que havia algo errado comigo. Eu não sabia distinguir as cores. O grande problema é que a única resposta aceitável na época era:

"O pequeno Claudio é burro!".

Por algum motivo desconhecido, eu podia até tirar as melhores notas no resto, mas era burro por não conseguir aprender as cores.

Claro que isso não podia ficar assim. Vamos estudar! Pegava caixas de lápis de cor e ficava tentando decorar seus nomes. Depois, agarrava um, sem olhar o nome escrito e dizia: "Roxo! Roxo! Roxo!". Mas, quando olhava, era azul escuro ou coisa parecida. Merda. Era definitivo. Eu era burro!

E isso se prolongou por algum tempo, até que, aos 9 anos, precisei fazer o meu primeiro exame oftalmológico. Nele, o médico, entre uma troca de lente e outra, acabou projetando dois blocos coloridos com letrinhas. Me perguntou se eu enxergava melhor no verde ou no vermelho, quando minha resposta resolveu o maior conflito que eu tinha até então:

"Qual é o verde e qual é o vermelho?"

Ele sacou na hora. Me chamou na mesa e me fez passar por um teste, que eu conheceria futuramente como Teste de Ishihara. Em cada página havia uma coleção de bolinhas coloridas formando números.

-Que número você vê aqui?

- Doze!

Então, ele olhava o gabarito e lá estava "Pessoa normal vê 24, pessoa daltônica vê 12".

E eu fiz 100% de daltonismo.



Ele chamou a minha mãe e nos explicou que eu era daltônico. Possuía uma perturbação visual genética que me tornava incapaz de distinguir certas cores.

Amigos, não imaginam o alívio que senti. Um peso imenso retirado das costas de uma criança. Descobrir que, esse tempo todo, eu não era burro foi um descanso.

A parte ruim da coisa é que, como ele mesmo disse, não havia cura. Era daltônico e permaneceria daltônico para toda a vida, caso a medicina não encontrasse uma cura. E isso poderia me impedir de certas coisas como dirigir, se não conseguisse distinguir as cores do semáforo ou trabalhar com qualquer atividade que exigisse distinção de cores.

E assim vivi minha vida. Aprendi a conviver com o daltonismo, me adaptando da forma que eu pude. Por muito tempo, optei por cores de camisas que não geravam muita dúvidas. Meu guarda-roupa só tinha camisas brancas ou pretas. Era básico, eu reconhecia e não me faria passar vergonha. Passei a não ter receios de pedir para professores me ajudarem quando o dever de casa envolviam cores e pedia para meu irmão mais novo pintar qualquer coisa que eu precisasse.

Claro que isso não impedia de passar certos perrengues. Sempre gostei de videogames e desafios envolvendo cores são muito comuns neles. Nem sempre tinha alguém do meu lado para ajudar. Tirar carteira de motorista e suas renovações sempre foram um tormento, pois a lei não era muito clara no que dizia respeito aos daltônicos. O médico avaliador poderia, simplesmente, me impedir de dirigir. Na maioria das vezes, eu contava com a sorte e acertava as cores. Na prática, nunca tive problemas no trânsito. Afinal, mesmo que eu tenha um pouco de dificuldade na distinção das cores, a ordem delas é sempre a mesma. Então, não tem como errar.

Recentemente, no caso da carteira de motorista, a coisa melhorou. Existe uma resolução do CONTRAN, 425/12 que diz que o motorista não precisa identificar as cores para conduzir um veículo. Para tanto, o teste atual é uma versão do semáforo, na ordem correta, que permite que o daltônico identifique o Pare, Atenção e Siga pela ordem.

Outra coisa que todo daltônico passa são as brincadeiras dos amigos. É praticamente impossível que, quando dissemos que somos daltônicos, os amigos não comecem com o famoso: É mesmo? E que cor é essa? E essa? E aquela? Você enxerga em preto e branco igual a cachorro?

Aprendemos cedo a levar na esportiva, afinal, isso gera curiosidade, mesmo que isso incomode bastante alguns daltônicos. Em proporções absurdamente diferentes, é como encontrar um amigo cego e ficar perguntando quantos dedos você está mostrando. Ou um amigo paraplégico e dizer: "É mesmo? Então tenta andar pra eu ver". Cara! Sei que você não faz por mal, mas eu sou daltônico e não preciso provar pra você.

Recentemente, foi lançado, comercialmente, um óculos da empresa EnChroma, que promete prover aos daltônicos uma visão mais próximo do normal. Eu vi vários vídeos de reações de daltônicos ao primeiro uso e fiquei duvidoso na aquisição de um. Alguns pareciam não se impressionar tanto com o que estavam vendo. Já outros, choravam de emoção. Eu acredito que, da mesma forma que existem variações de daltonismos, devem existir variações de correções. Nesse caso, eu só compraria um se tivesse a oportunidade de testar antes.Se quiser dar uma olhada, o site da empresa é http://enchroma.com/



Também existem estudos com terapias genéticas que podem resolver o problema, mas ainda parece ser uma coisa distante. Dizem que deu certo em macacos. Vamos ver como se saem os testes em humanos.

No mais, uma preocupação que os daltônicos costumam ter é: Meu filho vai ser daltônico também?

Nesse caso, depende. O daltonismo é uma característica ligada ao sexo genético. Cromossomicamente falando, o problema está ligado a um gene recessivo que está no cromossomo X. Vamos chamar de Xd. Um homem, pra ser daltônico, só precisa receber o Xd da mãe, pois o Y do pai não vai compensar. Ele será XdY. Uma mulher, precisaria dar o azar de receber o Xd da mãe e do pai, sendo XdXd. O pai, obrigatoriamente, precisa ser daltônico XdY e a mãe ser daltônica XdXd ou possuir um cromossomo com esse problema, XdX. 

No meu caso, eu tenho um filho homem. Ele é XY. O X veio da mãe e eu mandei o Y. Nessa situação, como não existem evidências de daltonismo na família da mãe, meu filho não é daltônico. Se eu tivesse uma filha, essa poderia ter uma chance remota de ter daltonismo. Ela teria o meu Xd, mas o X da mãe, compensaria o problema. A não ser que a mãe, mesmo não sendo daltônica, fosse portadora de um Xd e enviasse ele na união dos gametas.

Ok, Fim da aula de biologia.

Resumo da história, se você notar que seu filho possui dificuldades em distinguir cores, leve num oftalmologista. Ele é capacitado para identificar se, realmente, existe esse problema. Se você é um profissional da área de educação, que possui mais contato com crianças, também deve ficar atento aos sinais. Seu aluno pode não ser tão burro como você pensa. E se você descobrir que seu amigo é daltônico, até pode sacanear um pouco, mas evite exageros, ok? E se você descobriu que é daltônico, bem vindo ao time. Qual a cor da sua camisa, mesmo?



Um comentário:

  1. Muito legal as informações sobre Daltonismo. Recentemente descobri que meu filho é Daltônico e desde então virei devoradora do assunto. Depois que descobri o teste de Ishihara (Acho q é assim que escreve) percebo o quanto é comum ser Daltônico(a).

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